segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Pernas: pra que te quero?


Belas pernas podem embaralhar a cabeça de muita gente! Especialmente a dos zoólogos, mas de uma forma muito peculiar. Entre os animais, existe uma imensa gama de pernas, em animais muito diferentes, usadas para as mais variadas funções. As pernas, de uma maneira geral, muitas vezes refletem os hábitos dos animais, e podem por si só representar um determinado táxon (grupo taxonômico). Por exemplo: pernas articuladas caracterizam e garantem o nome dos artrópodes. Embora todos os artrópodes descendam de um ancestral comum e que possuía apenas um tipo de perna, os artrópodes atuais apresentam as mais variadas formas de pernas. Curiosamente, estas pernas são bem adequadas as suas funções ( ou seria o contrário...? Questão em aberto!). Esta aranha viúva-negra, por exemplo, tem as pernas do tipo marchador, mui apropriados para seu hábito cursorial (que caminha - ver posts anteriores). Já este gafanhoto, possui o terceiro par de pernas saltador, o que o permite se lançar a grandes distâncias. O grilo-toupeira, outro inseto, possui o primeiro par de pernas curto, largo e cheio de indentações, muito apropriado para a escavação. Todavia, como um bom grilo que é, ainda possui o terceiro par de pernas do tipo saltador; para não falar em seu par de asas. Crustáceos do gênero Artemia, muito comuns em lagoas hipersalinas como Araruama, RJ, nadam muito bem com suas pernas do tipo filopódio, e por aí vai.


Mas não são só os artrópodes que possuem pernas! Anelídeos poliquetas as tem de formas também muito variadas. Geralmente se apresentam na forma de um lobo dorsal e um lobo ventral, como neste magnífico verme-de-fogo. Todavia, muitas especializações ocorreram. No Chaetopterus, um poliqueta que vive em um tubo em forma de "U", algumas pernas se modificaram em verdadeiros cestos secretores de um muco capturador de matéria orgânica em suspensão, que lhe serve de alimento. O animal produz um fluxo contínuo de água pelo tubo, renovando desta forma o aporte de nutrientes.Outros animais se despiram de suas pernas, como as minhocas e sanguessugas, mas isso já é uma outra história.
Nos vertebrados? Achei que estes já estavam bem batidos, mas vamos lá. Bem, é preciso que antes se deixe bem claro, que há uma hipótese amplamente difundida de homologia serial entre braços e pernas. O que isso quer dizer? Que pra fins práticos, trataremos braços como pernas modificadas ao longo da evolução, por mais estranho que possa parecer.

As primeiras pernas - apenas um par - foram nadadeiras, encontradas desde os primeiros fósseis de osteostracos, peixes sem mandíbula dotados de uma pesada armadura óssea. Nos peixes com mandíbula, elas se duplicaram, totalizando dois pares. A partir daí foi só alegria: o segundo par - o posterior - geralmente mais recatado, e o primeiro par dando origem à todo tipo de invenções. Inúmeros retornos à vida aquática aconteceram, e nestas vezes observamos uma mudança análoga nas pernas anteriores: ictiosauros, plesiosauros, baleias, peixes-bois, tartarugas marinhas, e por aí vai. Da mesma forma, sapos, cangurus, coelhos e outros saltadores possuem especializações similares. Escavadores como toupeiras, tuco-tucos e a estranha toupeira-das dunas - todos esses roedores - possuem braços curtos, fortes e com garras bem desenvolvidas. Para não falar nos voadores: aves, morcegos e pterodáctilos (Compare-os em posts anteriores).
Resumidamente, é notável a a forma como as pernas são muito importantes nas especializações ecológicas dos animais. Mais ainda, a morfologia muitas vezes se modifica de maneira convergente. Isso pode muitas vezes confundir os zoólogos, os levando a julgar como homólogas características que não tem origem no mesmo evento evolutivo. Seja como for, andando, saltando, nadando, escavando ou voando, você ainda vai precisar das pernas um dia!

Para saber mais:

BRUSCA, G. J.; BRUSCA, R. C. Invertebrados. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2007. 1092 p.

POUGH, F. H.; HEISER, J. B.; Janis, C. M. A Vida dos Vertebrados. 4. ed. São Paulo: Atheneu SP, 2008.
750p.

sábado, 10 de janeiro de 2009

O preço do sexo


Meus amigos, não é preciso ser Doutor em Biologia para saber que às vezes o sexo sai caro. Isto significa que é simples entender o custo do sexo, difícil é explicá-lo. Como assim!? Para chegar lá, vou começar fazendo uma pequena introdução, com todo o respeito, e depois aprofundaremos um pouco mais... discutindo sexo até os mais religiosos concordarem que nem sempre o sexo tem função reprodutiva.
Você deve estar aí, se gabando de ter conhecimento pleno sobre o sexo, mas eu vos pergunto de cara: o que é sexo? Bom, para você pode ser o que quiser, mas para a Biologia, sexo significa cariogamia, ou fusão de material genético, e a troca deste material.
Portanto, não se deixe enganar: sexo, só com cariogamia!
Isso significa então, que toda vez que ocorre troca de material genético é sexo, mas não necessariamente reprodução. É duro, mas é a verdade. Quando entendemos a reprodução como a origem de um indivíduo completamente novo a partir de um progenitor, fica mais fácil. Já chego lá.
No caso de muitos seres unicelulares, como os ciliados do gênero Paramecium, por exemplo,
o sexo ocorre independentemente da reprodução, da seguinte forma:
Notem que os paramécios possuem originalmente um micronúcleo e um macronúcleo cada. Os macronúcleos se desfazem, e os micronúcleos se duplicam, em cada um dos paramécios; eis que então as células se conjugam e fazem um maravilhoso sexo a dois. Trocam uma das cópias de seus DNAs, e após este momento mágico, as células se separam. Isso mesmo: houve sexo, sem reprodução, porque havia duas células antes da conjugação e há duas células depois dela. A partir daqui ocorre meiose, mas a reprodução destes protozoários é por fissão binária.
Por quê então o sexo sai caro? Na reprodução assexuada, todo o material genético é passado para a próxima geração, que será composta de clones do progenitor. Já na reprodução sexuada, metade do material genético da mãe é perdido na próxima geração, porque metade do genoma do embrião será do pai e metade da mãe. Mas se é tão caro assim, como este modo de reprodução manteve-se na maioria das formas de vida pluricelulares? Não há um veredito sobre o assunto. Vale lembrar que reprodução sexuada e a cópula não são sinônimos! A cópula é apenas a passagem de material genético dos animais de reprodução interna, enquanto a reprodução sexuada precisa necessariamente gerar um novo indivíduo contendo metade dos genes do pai e metade da mãe.
Além do mais, considerando que a fecundidade (quantidade de filhotes/ indivíduo) é igual para fêmeas que se reproduzem sexuadamente e assexuadamente ao longo das gerações a freqüência de indivíduos sexuados tende a cair na população. Olhando pro esquema fica mais fácil:
Pelo seguinte: considerando que a parte da população que se reproduz sexuadamente vai precisar dividir-se ainda em machos e fêmeas, a proporção de fêmeas sexuadas tende a cair, numa população onde as duas existam. Por isso é tão difícil de explicar o sexo, apesar de entender seu custo ser mais fácil!
Existem algumas idéias que tentam explicar a permanência do sexo na maioria das linhagens evolutivas, e a implicância da manutenção do sexo (e aqui entendam por cariogamia) para nós, humanos. Mas esta é uma outra história.


Para saber mais:

Ridley, M (2004) Evolução, 3a Edição. Editora Artmed, Porto Alegre.