segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sobre coxas e Sobrecoxas - Continuação -

Se eu pedisse a alguém num churrasco que me passasse uma coxa de frango, dificilmente alguém o faria certo. Muitas pessoas confundem as coxas com as canelas dos frangos. Isso se deve ao fato dos dinossauros adotarem uma postura digitígrada, ou seja, que caminha com os dedos, na ponta dos pés. Se repararem na foto, entenderão melhor: os ossos da “planta” do pé (metatarsos) estão fusionados e erguidos, parecendo uma estrutura única, mas os ossos dos dedos (falanges), não. Como os metatarsais não tocam o solo, muita gente acha que as aves (e outros dinosauros) possuem o joelho voltado para trás, o que claramente não é verdade. A postura digitígrada é recorrente na natureza, assim como a plantígrada(metatarsais tocam o solo, figura A), e permite que os animais sofram menos atrito com o solo, durante a locomoção. Isso possibilita animais pequenos correrem mais rápido, e animais grandes, com suas patas colunares, deslocarem seu peso com menos gasto energético.
A primeira vez que alguém olhou para aves como dinossauros foi na segunda metade do século XIX, quando um brilhante biólogo inglês chamado Thomas Huxley, concluiu que “aves nada mais são do que répteis glorificados”. Comparando as patas de aves e terópodes, ele observou que o número de falanges e posição estrutural dos dedos era basicamente a mesma: três dedos pra frente, e um pra trás. Mas as semelhanças anatômicas não param por aí.
Os primeiros dinossauros, no final do Triássico, eram digitígrados, já apresentavam o acetábulo (encaixe do fêmur na região da bacia) perfurado, além da redução dos dedos (imagem da pata de um tiranossauro), características visíveis nas aves ainda hoje (reparem na foto da fúrcula, mais abaixo). É interessante notar que pterossauros não possuem acetábulo perfurado (a concavidade da foto marcada por "ac" é o acetábulo), eram plantígrados e sua estrutura de asa é enormemente diferente da das aves, como mostra a figura; Isso nos mostra que Pterosauros não são dinossauros, e representam uma linhagem evolutiva distinta, apesar de serem arcossauros, como os dinossauros e crocodilos o são.
O osso da sorte, ou fúrcula (osso bifurcado em frente ao esterno no peito das aves), estava presente também em outros terópodes. Este osso é relativamente flexível, e ao se deformar para acomodar o batimento das asas, permite um vôo mais eficaz. Outra característica que possibilita o vôo é o esqueleto pneumatizado (oco). Isso reduz grandemente o peso do animal, e aves atuais possuem maior peso em penas do que em ossos, por incrível que pareça! No entanto, como para várias outras características, a fúrcula e o esqueleto pneumatizado não são exclusivos das aves: os terópodes em geral já apresentavam estas características. Animais predadores-corredores se beneficiariam de um esqueleto oco por permitir a redução do peso do corpo, permitindo um deslocamento mais rápido.
As aves atuais não possuem dentes verdadeiros (algumas aves possuem uma serrilha no bico). No entanto, olhando para o bico do Archaeopteryx, provavelmente uma das primeiras aves, é possível ver dentes. Um experimento com embriões de galinha demonstrou que apenas algumas modificações na expressão de um gene inativaram a formação dos dentes nas aves. Estes pesquisadores, ao induzirem a expressão da molécula que havia sido inativada, conseguiram gerar galinhas com dentes!
Um experimento do século passado, desenvolvido por Hampé, gerou embriões de galinha com anatomia das patas muito semelhante àquela dos répteis. Uma análise mais detalhada nos mostra que as patas das aves diferem das de outros répteis por possuírem ossículos do tornozelo fusionados, e uma fíbula reduzida. Quando experimentalmente, se induz um crescimento maior da fíbula, nota-se a formação daqueles ossículos do tornozelo que haviam sido perdidos ao longo da evolução. Isso nos mostra que muitas vezes, o potencial genético necessário para formar certas estruturas não foi perdido, faltando apenas um estímulo para que a formação ocorra.
Espero que depois de digerir tanta anatomia, a gente consiga escolher certo entre a coxa e a canela num churrasco de dinossauro. E da próxima vez que formos ao açougue, jamais permita que vendam canela como coxa, nem coxa como "sobrecoxa"! =]

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Coxinha de dinossauro?

As aves povoam desde sempre o imaginário humano, com representações que datam da pré-história, como pinturas rupestres (Esta é de Serranópolis, Goiás). Deuses egípcios importantes como Hórus, Rá e Tot eram representados por aves. Para não falar na infinidade de mitos e lendas sobre aves, como Fênix, até mais recentes como a cegonha, dos bebês. Engraçado como não vemos pinturas de tiranossauros ou velocirraptores, nem ouvimos lendas sobre brontossauros-da-cara-preta ou triceratops-sem-cabeça...? Talvez não.
Ao contrário do que inúmeras vezes se vê em filmes, desenhos e histórias em quadrinhos, homens e grandes dinossauros jamais co-habitaram, por viverem em períodos distintos; eu disse GRANDES dinossauros. Isso mesmo: neste exato momento, fora da sua janela, uma infinidade de dinossauros ronda por aí, caçando suas presas, defendendo e alimentando seus filhotes, entre outros afazeres dinossaurescos.

Quando descrevemos uma ave, imediatamente falamos sobre as cores e formas de suas penas; uns alunos mais interessados podem apontar ossos pneumáticos (ocos), e talvez um homem do campo se lembre dos ninhos complexos e do ato de chocar os ovos, como características diagnósticas das aves.

O problema começa quando olhamos para trás, para o registro fóssil.

Dromeossauros, dinossauros provavelmente predadores e corredores, descobertos no final do século passado, revelavam estruturas seriadas ao longo de seus braços, com forma de penas. Não precisam acreditar em mim: olhe-os vocês mesmos!



Tá, não eram lá penas complexas como as das primeiras aves, bem representadas pelo Archaeopteryx (significa asa antiga ou arcaica, em grego), e sim pequenas e simples. Mas se os dromeossauros não voavam, pra que então serviriam as tais penas? Durante algum tempo especulou-se que pudessem ser utilizadas em rituais de corte, para conquistar parceiros (como algumas pessoas fazem com as roupas, hoje em dia). Em um segundo momento, o conhecimento acumulado ao longo deste tempo permitiu a proposição de uma elegante hipótese, baseada em algumas premissas:
.Dinossauros eram animais de sangue frio (a temperatura corporal era influenciada pela temperatura do ambiente).
.A linhagem Theropoda (Theros: Animal terrível, monstruoso; podos: pés) que comporta figurões como Tyranosaurus rex e Velociraptor, era composta principalmente de animais caçadores-corredores, dependentes de um metabolismo elevado para conseguirem seu alimento.
.Penas simples podem não servir para o vôo, mas dão ótimos cobertores para o frio!
Os pesquisadores imaginaram que os dinossauros caçadores-corredores com a temperatura corpórea mais estável ao longo da mudança natural de temperatura puderam manter suas atividades metabólicas mesmo nos períodos de frio mais severo, talvez possibilitando até mesmo viver em lugares antes impossíveis para esses animais, devido às baixas temperaturas.
Talvez um de vocês alegaria: e o cuidado parental? Nunca saberemos como os dinos cuidavam de seus filhotes? Bom talvez não TODOS os dinos. Mas havia um terópode, que foi encontrado sobre ovos, na Mongólia, em 1923. Inicialmente, interpretou-se que este animal havia morrido enquanto tentava roubar ovos de um Ceratops, o que o garantiu o nome de Oviraptor philloceratops, que significa “o ladrão de ovos de Ceratops”. Posteriormente, na década de noventa, viu-se que aqueles ovos eram de terópodes, e que possivelmente aquele animal teria morrido enquanto repousava sobre seus ovos! Outros ovos de terópodes foram encontrados dispostos em maneira ordenada, indicando fortemente uma preocupação em organizar os filhotes. Mais do que isso: seus ovos estavam dispostos de maneira ordenada, indicando um cuidado organizacional encontrado não nos répteis, mas nas aves.
E o que os ossos têm a nos dizer? Cenas do próximo capítulo! Discutiremos como a anatomia comparada e a biologia do desenvolvimento (jargão científico para embriologia, crescimento e envelhecimento dos organismos) nos ajudaram a entender melhor a evolução das esplêndidas aves! (Na foto, um anu branco. Dinossauresco?)